Em alguns momentos nos vemos eternamente abraçados com a prática tradicionalista que as histórias de algumas lendas são contadas para gente, com isso recusamos o que é novo e acabamos perdendo a oportunidade de conhecer novas abordagens sobre esses mitos. Em “The Wolf of Snow Hollow“, o diretor americano Jim Cummings encontra a forma para contar de maneira contemporânea uma “aventura” sobre um personagem que não é novidade para ninguém, o lobisomem.
Quando o membro de um casal fica mutilado na frente da sua casa alugada na tranquila comunidade de Snow Hollow, o aspirante a xerife da região, John Marshall, vivido por Jim Cummings, (sim, o diretor e roteirista pega para si o papel principal) assume o comando na investigação do caso. A cena de abertura apresenta John participando de uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, e isso já o pinta como a pessoa menos ideal para a função no momento. Ele terá que lutar contra seus demônios ao mesmo tempo que tenta resolver um caso onde cadáveres aparecem após a cada lua cheia e o boato sobre existir um lobisomem nas redondezas ganha força.
A ideia inicial do filme de Cummings é a investigação dos assassinatos e o caminho para alcançar quem está matando todas essas pessoas, porém a queda do protagonista em direção ao fundo do poço é o que sustenta a narrativa do filme. O vício em álcool, uma relação difícil com a ex-mulher, uma filha adolescente desabrochando para o mundo, seu pai doente (Robert Forster) e uma cidade vivendo um terror. John começa a se desintegrar.
Após ler o parágrafo acima você deve está se perguntando onde está o terror. Não é que “The Wolf of Snow Hollow” não tenha elementos de horror. Ele tem isso e muito mais recursos que pertencem a outros gêneros. Nos primeiros minutos de produção conseguimos notar o suspense em volta de uma cena que antecede o assassinato de alguém e a cara de espanto dos atores que interpretam as vítimas quando estão diante da fera. Sim, há uma fera e quando ela aparece sua aparência não decepciona. Antes de apontar que isso seja um spoiler, fique tranquilo, existe um mistério maior do quê a existência de um lobisomem e esse não será revelado aqui.
Como dito, Cummings é versátil em sua direção. Sua condução é tão bem feita, que dá para se impressionar com a leveza de como isso é passado para nós espectadores. Há características de drama quando John tem seus ataques de fúria, comédia graças a cômica trilha sonora de Ben Lovett, o subgênero thriller na trama policial, e como já citado, terror.
Outra façanha do cineasta é a capacidade para escrever e interpretar personagens que possuem esse transtorno de temperamento. Em 2018 o diretor já tinha feito isso em sua estreia em longas com “Thunder Road“, e agora ele reafirma essa qualidade, e o que funciona em “The Wolf of Snow Hollow” se deve muito a esse elemento. A grande falha no roteiro é quando a história que está sendo contada vai tendo um desfecho e alguns questionamentos não são esclarecidos. Além disso, o próprio roteiro perde contato com seus coadjuvantes de vez em quando, como o pai de John e sua parceira Julia (Riki Lindhome), que está ligada diretamente com a investigação e com o apoio emocional do protagonista.
John Marshall é um personagem autodestrutivo. Esses sentimentos ficam tão bem expostos graças aos diálogos bem escritos e interpretados que nos fazem pensar que o verdadeiro lobo de Snow Hollow seja o Marshall, e o lobisomem que ele esteja caçando é apenas mais um caso da rotina de quem decidiu trabalhar na polícia.
Talvez a gente entre na discursão sobre o que o filme deseja ser justamente por andar na linha tênue de vários outros gêneros, mas se analisarmos o que vem sendo oferecido para o público quando se trata de terror, ficaremos atolados em diversos filmes sobre assassinos ou assombrações. Acredito que algo assim seja bem vindo para quem quer sair da mesmice e experimentar outros gostos do horror.
Podemos considerar que estamos diante de algo especial vindo do cinema do campo do que é ou não assustador. “The Wolf of Snow Hollow” é o terror além da carnificina, que decide discutir temas como reforma policial, abuso de substâncias, masculinidade tóxica e paternidade.